A base de uma nova teoria de liderança
A Teoria U explora um novo território de pesquisa científica na área de organizações e liderança. Otto Scharmer, um alemão professor do MIT (Massachussetts Institute of Technology), junto com outros colegas, criou a Teoria U (TU). Otto mudou para os EUA na década de 90 para trabalhar com seu então guru, Peter Senge, que ficou conhecido pelo seu importante trabalho com organizações que aprendem através de um dos seus mais marcantes livros, A Quinta Disciplina. Juntos criaram várias iniciativas para chegarem a essa abordagem chamada Teoria U.
Com foco em 3 dimensões: indivíduo, organização e sistema maior, a TU propõe que as mudanças mais poderosas aos líderes, pessoas e negócios acontecem através de um processo de mergulho interior profundo. Uma proposta arrojada e diferente das técnicas então usadas para desenvolvimento de liderança, que ensinam como construir competências para uma gestão eficaz. A TU sugere o caminho inverso: primeiro um mergulho em “quem sou eu” para conectar com o “eu autêntico” e depois conectar com o futuro emergente.
A conexão com o futuro emergente acontece em 4 etapas: primeiro, descobrir e reconhecer os seus pontos cegos, como, por exemplo, a fonte de inspiração para suas decisões. Em trabalhos através de anos com líderes de empresas de grande e médio portes, tenho percebido que essa falta de compreensão dos líderes sobre suas próprias ações, os impactam negativamente a longo prazo. Simplesmente eles não sabem identificar de onde vem a inspiração para suas decisões. Segundo, descobrir tudo que precisam se desprender. Terceiro, conectar com seu “eu” autêntico e, quarto, sentir o futuro que quer emergir.
Iniciando a jornada da Teoria U
Para descobrir seus pontos cegos, a liderança passa por um processo de reflexão profunda. Entrevistas com sessões de feedbacks, apoio através de conversas a dois ou sessões de coaching, na tentativa de responder uma pergunta central dessa fase: de onde vem a minha incompetência? Durante a segunda etapa, a reflexão é sobre o que precisam parar de fazer e começar a fazer. Esse trabalho é mais aconselhado em um grupo de apoio, que pode ser sua própria equipe. Durante essa fase os líderes exercitam e aprofundam sua capacidade de escuta. Para conectar com seu “eu” mais autêntico é preciso entender seu propósito, saber qual o seu trabalho, com T maiúsculo. A pergunta dessa fase é: para que estou aqui? E, por último, sentir o futuro que quer emergir. Esse movimento acontece com trabalhos que focam na expansão da consciência e percepção, além do entendimento do sistema maior onde esse líder está inserido.
Um dos meus colegas, tentando explicar seu entendimento sobre o impacto da TU nele próprio, falou o seguinte: “eu deixei de trabalhar para a empresa e passei a trabalhar desde a empresa”. É como se ele estivesse posicionado de pé na borda de um círculo com as costas para fora e somente virou seu corpo 180 graus e passou a enxergar todo o sistema lá fora, de dentro de sua empresa.
Uma nova maneira de olhar o seu mundo
Essa forma de se posicionar com as costas para fora (ou para o mundo) é muito comum nos dias de hoje, com todos os fatores que fazem parte do dia a dia de um líder, que incluem (mas não se resumem a) trazer resultados financeiros através da sua equipe, estabelecer metas desafiadoras, cobrar, motivar, repreender, reconhecer, participar das inúmeras reuniões diárias, dentre outras coisas. Todos essas atribuições provocam um “esquecimento” sobre o contexto maior do qual esse líder está inserido, de modo que conhecer e saber das conexões entres os diferentes pontos nesse sistema, não somente pode ajudá-o a tomar melhores decisões, como também impulsionar a inovação em sua forma de liderar. E nesse ponto está o maior desafio de todos: acreditar que é possível trabalhar e mostrar resultados sem entrar no ciclo vicioso de se fechar para fora e concentrar as forças nas soluções dos problemas diários.
Já está claro que a realidade das empresas atualmente é de incertezas, nada é constante, é como se todos os dias as pessoas ao chegarem no trabalho entrassem em um processo de rotação acelerada, tudo tem que acontecer com uma velocidade desproporcional a capacidade humana e aos recursos disponíveis para fazer acontecer. Os meios de controle tradicionalmente usados pela liderança já não alcançam a mesma eficácia. O líder repreende a equipe por uma estratégia fracassada, mas essa mesma estratégia pode ser a solução de outro problema amanhã. Essa é a nova realidade, a velocidade que a tecnologia traz para seu dia a dia é infinitamente maior que anos atrás. Tudo isso leva a liderança a sair do eixo e concentrar sua atenção ainda mais para dentro na tentativa de se manter de pé.
A frase mais comum que escuto nas empresas hoje é que não há tempo suficiente para uma tomada de decisão precisa, pensada e planejada. O tempo de racionalizar decisões já não tem espaço na atualidade. Então onde fica o apoio para essa nova forma de trabalhar? Um coisa pode se ter certeza: não fica longe, mas sim dentro de cada um. Apesar de sentirem na pele essas consequências, ainda percebo muita falta de abertura para se permitirem fazer esse mergulho interior. Isso acontece por causa da desconexão das pessoas com elas mesmas. E essas desconexões, fragmentações ou divisões são grandes preocupações da teoria U porque a fragmentação gera mais fragmentação. As empresas e seus líderes sofrem com essa realidade e é por isso que não se pode tentar ajudar esse nível de complexidade com abordagens de mudanças superficiais.
As perguntas que abrem caminhos
Os processos superficiais fazem perguntas que levam as organizações a corrigirem os problemas errados. Se a pergunta é a intervenção, então precisamos fazer perguntas capazes de gerar reflexões para inspirações que solucionem os verdadeiros problemas. Geralmente perguntas como o que precisamos fazer para solucionar um determinado problema não leva a conexão com novas fontes de inspirações e sim a respostas feitas e, consequentemente, a criação de propostas que refletem mais do mesmo. Hoje se faz necessário abordagens que desafiam o status quo com perguntas sobre quem, quem sou eu, quando faço, o que eu faço? Essa pergunta, com uma sequência de experiências alinhadas a ela, pode levar a descobertas antes nunca acessadas. E isso é de onde pode vir as soluções mais extraordinárias.
Ninguém sai de casa todos os dias para o trabalho com a intenção de propor ideias obsoletas, mas o que acontece quando se chega a hora H e não se consegue sair do mesmo quadrado? Como Albert Einstein disse, nenhum problema pode ser solucionado com a mesma mentalidade que o criou. Se faz necessário sair do quadrado para se explorar novas possibilidades e inovar nas soluções. Desse modo, é preciso ter o apoio de pessoas que sabem como ajudar nesse movimento de deixar ir para deixar vir.
Integração para o florescimento
Quando se permite conectar ou integrar, ao invés de fragmentar a energia da equipe, a fragmentação se transforma e fica disponível para muitas outras coisas, como a criatividade. Onde existe vida é porque nesse ambiente existem condições favoráveis a vida. Em uma empresa, por mais que a mesma seja fragmentada, existe interdependência, interconectividade e troca de energia entre as diferentes partes. Portanto, qualquer parte de uma empresa, seja um líder, equipe, setor, etc. está conectada e faz parte de um todo maior. Quando se consegue chegar a essa consciência, as transformações passam a acontecer de forma suave.
O movimento através do “U” ajuda as pessoas a se conectarem com sua essência. Primeiro, se deparando com velhos hábitos, depois sentindo o futuro que quer florescer, para posteriormente experimentar a abertura da mente, do coração e da vontade. Esta é uma jornada intelectual, mas também é baseada na experiência da vida real e em práticas de reflexão. Nessa jornada de sentir, presenciar e realizar, se aprende novas formas de ser – formas estas que podem se revelar cruciais principalmente nesses tempos caóticos.
O processo integrativo permite plenitude, conexão e, portanto, totalidade. Em um processo integrador, você não sabe o que realmente é o todo nem as partes que o criam. É um processo que permite exploração e descoberta simultânea de ambas as partes e do todo. E nesse contexto, fica a reflexão: qual é o papel da liderança na criação de espaço para viabilizar processos integrativos?
Vamos falar sobre isso em nosso próximo blog. Fiquem ligados!
Muito bom, Ilma. Tema super importante para repensar a maneira como os negócios se desenvolvem nesse mundo tão confuso e complexo.